6 de set. de 2025

Fotografias antigas de Pelotas: entre memória, patrimônio e imaginário urbano

 As cidades são palimpsestos de memórias, camadas sucessivas de experiências sociais e culturais que se materializam em ruas, praças, edificações e também em registros iconográficos. No caso de Pelotas, cidade marcada por forte patrimônio arquitetônico e por um imaginário urbano singular, as fotografias antigas se apresentam como suportes privilegiados para a investigação de suas múltiplas temporalidades. Mais do que documentos visuais, tais imagens ativam memórias sociais, revelam práticas culturais e alimentam representações coletivas sobre a cidade.

Este artigo tem como objetivo analisar as fotografias antigas de Pelotas como objetos de estudo que articulam memória, patrimônio e imaginário urbano. Parte-se da hipótese de que essas imagens não apenas registram o passado, mas participam ativamente da construção de identidades, da valorização do patrimônio cultural e da produção de sentidos sobre a cidade.

Memória social e fotografia

Segundo Halbwachs (1990), a memória é sempre socialmente construída, ancorada em grupos que selecionam, interpretam e transmitem lembranças. Nesse sentido, as fotografias antigas de Pelotas podem ser compreendidas como dispositivos que ativam memórias coletivas, permitindo que a experiência urbana seja partilhada entre gerações.

Para Nora (1984), determinados objetos, práticas e imagens transformam-se em “lugares de memória” quando passam a concentrar afetos e significados que resistem ao esquecimento. As fotografias antigas desempenham exatamente esse papel: condensam não apenas informações visuais, mas também narrativas e sensibilidades, constituindo-se em elementos de mediação entre passado e presente.

As imagens de épocas anteriores revelam tanto o patrimônio material quanto o imaterial de Pelotas. O patrimônio material manifesta-se nos casarões, nas ruas de pedra, nos prédios públicos e religiosos que aparecem retratados, enquanto o patrimônio imaterial emerge nas festas, nos trajes, nas práticas cotidianas e nas formas de sociabilidade registradas pelas lentes.

Essas fotografias permitem compreender processos de preservação e transformação do espaço urbano. Elas oferecem subsídios para o debate sobre a salvaguarda do patrimônio, ao mesmo tempo em que evidenciam ausências, lacunas e perdas. O que as imagens mostram não é apenas o que foi preservado, mas também aquilo que desapareceu — e que, paradoxalmente, se mantém vivo no imaginário coletivo.

O estudo das fotografias antigas também permite acessar o imaginário urbano, entendido como o conjunto de representações e significados simbólicos que uma coletividade projeta sobre sua cidade (Durand, 1996; Pesavento, 2007). Pelotas, nesse contexto, é vista não apenas como espaço físico, mas como construção simbólica, permeada por narrativas de progresso, riqueza, decadência e resistência.

As imagens não apenas documentam a materialidade da cidade, mas também sugerem modos de vida, relações de poder, hierarquias sociais e expectativas de futuro. A leitura dessas fotografias, portanto, projeta múltiplas temporalidades: elas mostram o passado, iluminam o presente e permitem imaginar futuros possíveis.

As fotografias antigas de Pelotas revelam-se fontes fundamentais para a reflexão sobre memória, patrimônio e imaginário urbano. Ao ultrapassarem a dimensão documental, elas se constituem em lugares de memória, possibilitando compreender como diferentes grupos sociais se relacionam com o espaço urbano e com sua própria história.

Além de registrarem o patrimônio material e imaterial da cidade, essas imagens alimentam representações coletivas que conferem sentido à experiência urbana. A análise das fotografias antigas, portanto, contribui para a valorização do patrimônio cultural, para o fortalecimento da identidade local e para a compreensão das permanências e transformações que estruturam a cidade.

O estudo das imagens de Pelotas convida, assim, a pensar a cidade como um organismo vivo, em constante diálogo entre passado, presente e futuro, e a reconhecer na fotografia um mediador essencial das múltiplas temporalidades que compõem a experiência urbana.


Referências

  • HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

  • NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984.

  • DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

  • PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.

Palavras-chave: memória social; patrimônio cultural; imaginário urbano; fotografias antigas; Pelotas.